Ontem, dia 27 de julho, aqui no Regional São Paulo, começamos as comemorações da Semana Inaciana com um gesto de disponibilidade ao próximo, de Igreja aberta ao mundo. Fomos visitar a Missão Belém, em sua casa de acolhida, um prédio antigo e estreito, de dez andares, bem em frente à Catedral da Sé, no centro de São Paulo. Nada mais simbólico de uma Igreja de portas abertas para a realidade das drogas e dos moradores de rua! E esta é apenas uma das casas da Missão Belém! Nesta casa que visitamos se faz a acolhida inicial dos moradores de rua que ficam lá por uma semana, período em que convivem como numa família. Em cada andar, ficam de 10 a 18 pessoas, e um ex-morador de rua os acolhe, sendo o chefe-pai da família. Eles tomam banho quente, trocam de roupa, se alimentam e têm uma cama limpa. A cada dia, há uma proposta de oração muito parecida com a nossa. É o “Diário Espiritual”, em que a oração do dia é explicada e se pede para que a pessoa anote as frases que mais mexeram com ela e que, a partir desta leitura, ela possa escrever um propósito concreto para aquele dia (muitos escrevem este propósito na própria mão, para não esquecer). Depois, à noite, volta-se à mesma oração, questionando o que Jesus fez de especial para a pessoa. Parece nosso jeito inaciano, não? Não é por acaso! O fundador da Missão Belém, o Pe. Gianpietro Carraro, teve a inspiração desta obra durante um retiro de 30 dias em Itaici!…
Nesta Casa de Acolhida na Praça da Sé, os moradores ficam de 1 a 8 dias. Depois, são encaminhados para outras casas, algumas no interior (são 140 casas só em São Paulo) onde fazem trabalhos comunitários e passam por formação cristã, oração diária e alguns retiros. Vimos pessoas chegando naquele dia, assustadas, cansadas e desconfiadas. E vimos pessoas com 2,3,4 dias, já mais tranquilas e esperançosas. Com este trabalho, a Missão Belém já retirou mais de 60.000 pessoas das ruas. São reintegradas, sem vício, 42% destas pessoas, e apenas 15% voltam às ruas. Para quem trabalha com dependentes químicos, sabe que esta taxa de recuperação é altíssima. A psiquiatria não consegue taxas melhores do que 30-40%… Muitos dos ex-moradores de rua trabalham na própria MB. Como eles dizem: “náufragos salvando náufragos”
As histórias destes moradores de rua nos tocaram muito! Vício com álcool, cocaína, crack, que evolui para roubo e prisões. Famílias desestruturadas, fome, miséria, violência!… Muitos passaram perto da morte e dizem o quanto este experiência os aproximou de Deus, da vontade de viver e de não morrer na rua. Ver estas pessoas chorando ao falar de suas vidas que se renovam com a ajuda de Deus foi algo emocionante para nós. E muitos choraram simplesmente por serem abraçados por nós! Rezar a oração de Santo Inácio na Capela deles foi muito forte. O que realmente damos de nós, dos nossos dons, para pessoas como estas, os pequenos de Deus?…
Evangelho do dia da visita (Mt 13, 24-30) nos dizia da mistura entre joio e trigo. Cada um de nós temos esta mistura em nosso próprio coração. Aqueles moradores de rua também. Não são piores ou melhores do que nós. Vivem momentos de trevas e também momentos de luz, em que acreditam em si e que têm esperança de que algo de bom dentro deles possa crescer. Muitos deles ficavam extremamente felizes de serem tratados finalmente como gente e de receberem nossos abraços. Um dos moradores, que escapou da morte, da prisão, das drogas e das ruas dizia que não era digno de tudo que Jesus fazia por ele. Nós também sentíamos o mesmo. Todos nós éramos pecadores, mas eles tiveram menos sorte na vida do que nós. Certamente erraram muito!… Mas quem não erra? Nós fomos lá para aprender… Aprender sobre como todos nós, sendo miseráveis, também podemos ser misericordiosos, uns com os outros!…
Além desta ação no Brasil, a Missão Belém já chegou à Itália, onde cuida dos imigrantes, e foi convidada pelo arcebispo de São Paulo, D. Odilo, a contribuir na grave situação humanística do Haiti, depois do terremoto que assolou aquele país. A Missão Belém aceitou o desafio e lá atua preferencialmente com as crianças, por terem entendido que lá elas é que são os mais miseráveis. Por uma questão cultural, quando falta comida, os adultos, que trabalham, comem primeiro e, se sobra algo, as crianças comem. No primeiro ano por lá, eles fizeram uma escola e a fecharam durante as férias, não imaginando que muitas das crianças assistidas morreriam nestes 2-3 meses de descanso escolar, por falta de comida!… Depois disso, a escola da MB não fecha mais suas portas, indo de janeiro a janeiro.
Hoje, há um projeto de apadrinhamento das crianças haitinianas, em que o padrinho ou madrinha paga R$50 por mês, para as despesas desta criança na escola. Há também o projeto das trufas, em que os ex-moradores de rua ajudam na confecção e na venda de trufas de chocolate, cujo lucro é revertido inteiramente para o projeto social do Haiti.
Nós que estávamos lá compramos e provamos estas trufas, ajudando um pouco mais. Também levamos, além da nossa presença e abraços, um pequeno auxílio financeiro. Estes nossos irmãos, que dividem a espiritualidade inaciana conosco, precisam de muita ajuda! Eles não dispõem de nenhuma ajuda governamental. E se sustentam exclusivamente com voluntariado de centenas de pessoas e da doação de várias outras pessoas. Mensalmente, eles gastam 12 toneladas de arroz e 4 toneladas de feijão, 6 mil fraldas geriátricas. São fornecidos kits de higiene, chinelos, camisetas, calças, blusas para todos que chegam da rua.
No final, perguntamos, como Dom Luciano fazia: “No que podemos ajudar?” O coordenador da casa nos apontou esta realidade e disse que qualquer ajuda é sempre bem-vinda, no voluntariado ou nas doações.
Nosso sentimento ao final é que deveríamos estreitar os laços com estes irmãos. Quantas vezes um morador de rua nos aborda e nos pede algo, e não sabemos como agir. Sabemos muitas vezes que aquele dinheiro que damos será gasto com drogas e ficamos encurralados entre a racionalidade e o emocional, e nada fazemos. Quem sabe Deus não está nos mostrando um caminho de ação social mais concreta?… Que saibamos refletir sobre isso como Maria, que guardava no coração tudo o que não entendia, para depois poder fazer algo a respeito.
Marco Aurélio Knippel Galletta